CÉLIA, A MULHER CORAGEM

maio 17, 2014 | 0 comments

Conheci Célia há mais de 20 anos através de um amigo comum. Ela já era vereadora em Arcoverde, Pernambuco e veio à Redação do JC fazer uma denúncia administrativa do então prefeito. Logo no início da conversa percebi que se tratava de uma mulher especial, fala mansa, inteligente e  firmeza na sua acusação bem fundamentada. Fiquei  sabendo que  na sua cidade, era chamada de mulher coragem pelo jeito enérgico de dizer as verdades, doa em quem doer. Uma criatura “sem papas na língua”, como se diz no popular.

Lembro bem desse dia. Célia vestia jeans, uma blusa de linho  com um bordado à mão que me chamou atenção. Magrinha, jovem e bonita. Tinha facilidade em se expressar. Hoje, essa figura já está no sétimo mandato e fazendo jus ao apelido. Sua história de vida é uma das mais bonitas de mulher vencedora que conheci. Fiquei sua amiga até hoje. Conheço sua família, sua casa, sua trajetória  e não me acho suspeita em falar sobre ela. É um exemplo de ser humano obstinado, muita garra e projeto de vida. Não tem medo de obstáculos. Célia nasceu para vencer.

Sua história começa em 1955, em Guanumbi, distrito de Buíque, Sertão, pernambucano onde nasceu. Três anos depois,  ela, a mãe, a avó e mais três irmãs todas pequenas deixaram Buíque e foram para São Paulo num pau de arara em busca de dias melhores, pois não podiam ficar na cidadezinha com a descoberta da traição do pai com uma das tias.  Virou o comentário do ano. A vergonha de dona Judite Almeida, a mãe foi grande, mas a dignidade pesou mais.

Em São Paulo as dificuldades foram imensas: a primeira foi a morte da avó, o desemprego, as necessidades básicas faltavam. Muitas vezes, dona Judite dormia na rua esperando receber o leite da LBA para as filhas.  Outra tia contou para o pai das meninas da situação delas, e ele mandou dinheiro para o regresso, também em pau de arara. Era 1960.

Quatro anos depois, seu Manoel Alves, o pai, abandonou a família de vez. A vida da menina Célia, então com nove anos ganhou uma responsabilidade: trabalhar para ajudar os irmãos vendendo cocada aos operários de uma construção civil na periferia de Arcoverde. Na época natalina, mãe e filha faziam estrelas de Natal de papel brilhoso  e vendido de porta em porta pela menina.  A mãe costurava a máquina o dia inteiro para entregar as encomendas e  com ela, Célia aprendeu as primeiras lições de costura.

Mas a verdadeira vocação da mulher coragem veio despertar (ou aflorar?) em 1968 na adolescência, por meio dos comícios políticos, um deles, o candidato Giovanni Porto usava uma rosa como marca de campanha. Sem ter noção de estratégia comercial, empresarial, oportunidade, marketing, etc, Célia teve a ideia de fazer rosas de plástico e vender nos comícios de Giovanni. Era mais um dinheirinho que ajudava em casa. Conseguiu o primeiro emprego aos 14 anos como vendedora na loja de tecidos Ferreira Barros, e depois na Farmácia Torres, também na mesma função.

Em 1972 conheceu Onofre Cardoso, sertanejo de São José do Egito, 14 anos mais velho, caminhoneiro  e oito meses depois estavam casados e, com ele, vive até hoje. Deixou de ser balconista para ser vendedora da Avon. Ao mesmo tempo, vendia porta a porta peças decorativas de gesso compradas em Caruaru. Convenceu o marido a vender o caminhão, comprar roupas em Fortaleza e vender em Arcoverde, Tabira, São José do Egito, Custódia, Serra Talhada, Salgueiro e Araripina. Foi sacoleira pioneira na região em companhia de Onofre.

O casal esperando o primeiro filho, Onofre Júnior, conseguiu com dificuldade comprar o primeiro carro: uma Brasília amarela e periodicamente ia para o Ceará buscar novas roupas. Os negócios iam melhorando. Célia abriu uma lojinha no Centro de Arcoverde e assim estava dado o pontapé inicial para a sua Boutique Yula, nome da segunda filha.

O campo de visão de Célia ampliou, em vez do Ceará, as viagens eram agora para São Paulo. Trazia as novidades da moda para a clientela fixa. O costume de vender porta a porta permaneceu. À noite ia às casas das freguesas. Vendia tudo.

A ousadia de Célia foi adiante: sentiu necessidade de abrir sua própria confecção, costurando na maioria para famílias inteiras, buscando conquistar cada cliente com um diferencial: deixar as peças de forma que todas ficassem apaixonadas pela qualidade e atendimento. Com faro apurado para oportunidades comerciais, o seu ateliê agora na principal avenida de Arcoverde cresceu. Contratou bordadeiras e costureiras ao todo eram 50 funcionárias. A marca da casa era o linho bordado. Governador e primeira- dama vestiam a etiqueta Yula. As peças faziam sucesso e Célia passou a fazer o caminho inverso: ia a São Paulo vender suas roupas lindas. A Yula virou grife.

Resolveu entrar na política e foi a primeira mulher vereadora em Arcoverde. Parou aqui? Que nada! Célia fez vestibular de direito em Caruaru e três noites por semana pegava estrada para estudar. Queria entender melhor as leis,  dizia. Concluiu o curso, mas nunca exerceu advocacia. Os dois filhos crescendo, “sentindo falta de criança em casa”,  ela adotou três meninos. O caçula hoje tem 23 anos. A vereadora sempre recebeu apoio de Onofre em tudo e em setembro, o casal comemora 40 anos de casados, ao lado do genro, nora e seis netos e  toda família.

Um exemplo de sua coragem ficou marcado na primeira eleição de Eduardo Campos para governador. Ela flagrou um automóvel com placa da Paraíba, distribuindo panfletos apócrifos contra Campos às 02 da madrugada, véspera da eleição. E passando na porta de sua casa Célia não pensou duas vezes e de camisola mesmo pegou seu carro e jogou em cima do outro. Conseguiu falar com o juiz eleitoral Drawternani Pantaleão, (que ainda guarda os panfletos), chamou uma viatura da PM e a confusão foi grande não só na cidade, como no TER e matéria de jornal. Certa vez, Eduardo Campos disse não trocar Célia por 10 homens valentes.

Célia é bem-sucedida como comerciante, empresária, vereadora (sempre a mais votada) atuante, mãe de família dedicada, amiga dos amigos, atualizada com a política do mundo sempre com visão ampliada para oportunidades. Isso ela tem de sobra.

Célia é uma Maria Bonita.

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